30 outubro 2022

bebés

 estamos na fase dos bebés

todo à nossa volta querem, têm, estão a tentar, e o tema vem demasiadas vezes à conversa com demasiadas pessoas, apesar de eu achar ser um tema para algumas conversas com poucas (e boas) pessoas,

tenho duas amigas que estão a tentar, uma há pouco mais de meio ano, outra há quase dois anos, as duas lidam com a culpa irracional do seu próprio corpo não conseguir gerar outro, como se isso 1, fosse responsabilidade inteiramente da mulher e 2, como se isso não fosse um milagre da natureza por si só,

uma série de coisas tem que acontecer primeiro, primeiro tens que conseguir ovular, o que para a minha geração pilulodependente já tem que se lhe diga, depois tens que acertar bem nos timings, não fazer amor em demasia, mas também não de menos, e nada de fazer um horário, sexo espontâneo para não perder a chama mas de preferência nos dias certos, ok? antes disso claro que deves evitar café, álcool, açúcar, deves emagrecer, mas não ficar muito magra, não podes fazer desporto em demasia, deves estar o menos estressada possível, como se fosse possível, na geração que mal consegue pagar a sua própria renda, parar de trabalhar e fazer um retiro espiritual e biológico até à fecundação, pff,  

depois dessas coisas, contas os dias até ao P-Day, imaginas todos os sintomas e mais alguns, vais ver online e tudo pode ser uma gravidez ou o período fértil ou a menstruação ou cancro, no final é sempre cancro com o dr. google, e é ver-te chorar de frustração ao ver as cuecas vermelhas, quando ainda há uns poucos anos chorava-se de alívio, tudo muda, é ligares às tuas amigas e não querer falar ainda mais duma vez sobre o quão triste estás, e é ouvi-las a não entender essa obsessão, se não estão como tu, ou a oferecer um silêncio igualmente triste mas reconfortante de quem está exatamente como tu, 

uma engravidou para abortar sem intenção um mês depois, imagina

outra engravidou por enganou e abortou de propósito, e é ter coragem para o fazer depois dos 30, sabendo que serás fortemente julgada, pois já passaste da idade ideal, mas pergunto-me, se não estamos felizes na nossa própria vida independente de fetos e bebés, como o poderemos ser com um agregado?, o que é tão difícil de entender que um bebé pode não ser uma felicidade?

já abro portas para polémicas, sheesh

outra carregou um bebé durante oito meses e meio para dar luz a uma menina morta, não dá nem para conceber este tipo de dor


por isso, quando perguntam e bebés? quando é que têm filhos? fico entalada no meio destas realidades todas que se escondem atrás da pergunta aparentemente inocente, mas que na verdade é das coisas mais íntimas que se podem perguntar, conversa corriqueira a disfarçar a cusquice, não se pergunta a toda a gente, pensa-se duas, três ou quatro vezes, e maior parte das vezes a resposta vem apenas quando nada perguntamos,

já a mim irrita-me quando me perguntam se estou grávida, porque estou com uma barriguinha feliz de quem comeu bem ao almoço 

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